Fagner Dalbem: reflexão sobre a relação entre Deus e o Homem!

23/05/2011 23:50

 

“A serpente insinua que entre Deus e o homem exista uma concorrência...”

 

            Um relacionamento acontece entre pessoas diferentes. Talvez, a própria diferença seja o motivo do relacionamento. Entre pessoas iguais não haveria o que conversar, pois a opinião de um seria conhecida pelo outro, não haveria o que discordar ou concordar, não haveria o que dar ou receber. Tratando-se de pessoas diferentes, sabemos que em um relacionamento é necessário: a companhia, o estar junto, o dividir as coisas, o conhecer o outro. Mas tem que ter também “o espaço”. Mesmo quando se quer estar junto, não significa invadir o espaço do outro. Por mais que queiramos e precisemos de pessoas ao nosso lado, é imprescindível um momento para “respirar”. É isso que Deus nos oferece no nosso relacionamento com Ele.

            No relato da criação do universo (Gn 1,1-2,4a), Deus submete o domínio de todas as coisas para o ser humano (1,29) e no “Sábado”, põe um limite em seu poder criador, descansa (2,2). O Sábado representa esse momento que nos é dado para que sejamos o que somos criados. Deus nos dá “um espaço”, um momento para sermos livres e escolher o nosso caminho. É assim que somos como Ele, sua imagem e semelhança. Podemos ver que Deus não quer uma dependência, nem um reconhecimento de seu poder. Ele dá autonomia e o poder criador para o ser humano tornando-o sua imagem e semelhança.[1]

            A serpente insinua que entre Deus e o homem exista uma concorrência, que Deus zela por seus conhecimentos e privilégios e procura manter o ser humano à distância (3,1-5). É muito fácil nos deixarmos enganar por essa ideia, principalmente no mundo de hoje, tão capitalista no qual cada um se preocupa apenas com o seu bem estar. O contrário é bem mais difícil de aceitar: entender que Deus quer que sejamos nós mesmos, livres, sem dependências.             O que Deus faz é determinar um espaço imprescindível em qualquer relação. Porque dar lugar ao outro e respeitar o mistério de sua diferença é uma condição essencial para o desenvolvimento de uma felicidade partilhada. Deus não se comporta como proprietário, mas se esconde atrás do dom para que o homem possa dar de volta aquilo que ele mesmo deu, como se fossem totalmente iguais, sem superior ou inferior.

            Vemos isso em Jesus Cristo, que pelo fato de ser Deus, não considera esse fato como algo superior. Ao contrário, esvaziou-se de si mesmo, se doou e tomou a condição de servo (Fl 2,6-7a), lavou os pés dos discípulos para que tivessem parte com Ele (Jo 13,8).

            Deus indica o caminho no qual se esconde, com a esperança secreta de que um homem lhe dará o prazer de reconhecê-lo. Em Jesus a mentira da serpente é desmascarada[2]. Ele quer estar junto, mas dá a distância certa para nos sentirmos livres. Corre o risco de ser rejeitado, pois não quer tirar a nossa liberdade, tirar o nosso espaço.

 

Fagner Dalbem Mapa, CSsR

Província do Rio de Janeiro



[1] cf. WÉNIN, André. Por que crer nas palavras da serpente?. In: ______. O homem bíblico: leituras do Primeiro Testamento. São Paulo: Loyola, 2006. p.19-20 (Bíblica Loyola, 49)

[2] cf Ibdem pp.21-24