Igreja católica mostra lado empresarial em Aparecida

17/06/2010 22:19

(A reportagem é de Carlos Prieto e publicada pelo jornal Valor, 15-06-2010.)

 A sala no 10º andar do prédio de administração é ampla, com pé direito duplo, várias janelas e dividida ao meio por uma estante repleta de imagens religiosas e um espírito santo na parede. De um lado, sofás e um televisor garantem conforto a um encontro mais informal. Do outro lado, a mesa de trabalho do principal executivo da empresa e uma outra de oito lugares onde mensalmente se reúne o conselho de administração. No primeiro semestre do ano passado, os cinco conselheiros sentaram para decidir o futuro de um novo investimento. Sobre a mesa, o projeto de construção de um complexo com três hotéis, centro de convenções e áreas comerciais e de lazer. Um investimento de R$ 60 milhões, com possibilidade de financiamento de até 60% pelo BNDES.

A reportagem é de Carlos Prieto e publicada pelo jornal Valor, 15-06-2010.

Reunião de conselho é um procedimento comum no meio empresarial, mas esta ganha um contorno especial. O presidente do conselho é o arcebispo de Aparecida, dom Raymundo Damasceno Assis, e o principal executivo é o padre redentorista Luiz Cláudio Alves de Macedo. Os outros três conselheiros também são padres. A empresa, com CNPJ próprio, é o Santuário Nacional de Nossa Senhora da Conceição Aparecida.

Administrar o maior centro religioso do Brasil, erguido a 168 quilômetros da capital paulista, exige uma profissionalização que muitas vezes não se vê, por exemplo, em empresas familiares. No papel de principal executivo, o padre Luiz Cláudio cursou MBA em administração na FGV antes de assumir o cargo, em 2009. Com o cargo oficial de ecônomo, ele controla uma empresa com quase 1,3 mil funcionários contratados pela CLT e uma folha de pagamento de cerca de R$ 1 milhão. "Todos abaixo de mim são profissionais de mercado. A atuação dos padres se dá de outra forma. Na administração, somos totalmente profissionais e de várias religiões, temos evangélicos, espíritas, budistas", conta.

A estrutura administrativa é dividida em departamentos, como jurídico, marketing e novos negócios, RH, engenharia, segurança e infraestrutura. Como na maioria das empresas desse porte, os funcionários usam crachá, almoçam no refeitório terceirizado, usam uniforme e já definiram um esquema especial de trabalho para os horários dos jogos da seleção brasileira na Copa do Mundo, sem prejuízo das atividades religiosas.

O padre Darci José Nicioli, que já ocupou o cargo de Luiz Cláudio por 10 anos e hoje é o reitor do Santuário - cuida dos trabalhos nas pastorais e é o superior hierárquico de Luiz Cláudio -, diz que seria impossível manter o local funcionando em ordem sem os profissionais. "Somos uma igreja que se organiza como empresa. Com 1.297 funcionários, como poderia agir de outra forma?", questiona Darci, também membro do conselho de administração.

O faturamento anual está em torno de R$ 100 milhões. A grosso modo, 60% dos recursos vêm da chamada Campanha dos Devotos, contribuições mensais feitas por pessoas de várias partes do Brasil. São 560 mil devotos cadastrados, com uma média de 280 mil doações mensais. As doações feitas pelos visitantes dentro do Santuário geram mais 20% da receita. Os 20% restantes têm origem no aluguel pago pelas 388 lojas de comércio, lanchonetes e quiosques, além do estacionamento, instalados dentro da área da basílica nova.

Oficialmente, o Santuário pertence à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e anualmente um conselho de fiscalização, formado por cinco bispos, analisa e aprova as suas contas.

E foi como empresa que o Santuário definiu a construção da Cidade do Romeiro: um negócio que vai gerar recursos e ampliar a capacidade de atendimento. Como define o padre Darci, o principal produto do Santuário é justamente o "acolhimento". No ano passado, perto de 9,5 milhões de pessoas visitaram o Santuário e este ano a expectativa é passar dos 10 milhões.

O terreno de 177,6 mil m2 foi comprado pela igreja depois de o parque que funcionava no local ter falido. Ele fica a 700 metros da basílica nova e próximo ao rio Paraíba do Sul, onde em 1717 foi encontrada a imagem de Nossa Senhora. Ainda é possível ver parte das instalações do antigo parque, em processo de demolição. O objetivo da Cidade do Romeiro é oferecer ao visitante hospedagem, espaço para reuniões, alimentação, compras e lazer num mesmo local.

O primeiro hotel será entregue em meados do segundo semestre, fruto de uma parceria com a construtora paranaense Metacon. O Santuário cedeu a parcela do terreno necessária e a construtora bancou a obra e vai entregar o hotel mobiliado. Dos 170 quartos, 25 serão da igreja.

O segundo hotel, com 330 suítes, será bancado pelo Santuário. Ainda não foi definido como será sua administração, mas não ficará a cargo da igreja. "Padre não foi feito para isso", brinca o padre Darci, que idealiza um padrão de atendimento no modelo do Ibis, da rede Accor, sem no entanto adotar a terceirização tradicional no setor. O projeto prevê ainda um terceiro hotel, que completará os 990 quartos previstos para o complexo. As áreas de lazer e comerciais devem ser alugadas a terceiros.

Mas a obra principal parece ser mesmo o centro de convenções para 1,2 mil pessoas, que já a partir de 2011 deve receber a reunião anual da CNBB, que historicamente reúne-se em Indaiatuba (SP). Mas os planos vão além, e a ideia é oferecer o espaço para empresas organizarem convenções e reuniões.

Com o projeto da Cidade do Romeiro equacionado, o Santuário já estuda novas formas de elevar a receita, como a montagem de uma loja virtual e o uso de televendas. "Temos de gerar recursos que permitam não só manter a atual estrutura, mas que possibilitem o crescimento. Não tenha dúvida que o Espírito Santo nos ajuda, mas temos de fazer nossa parte", diz o padre Darci. O que em parte explica a presença da imagem que inspira a sala de reuniões do conselho.