NÃO AS OBRIGUEM A SOFRER

20/07/2010 00:32

 

São Paulo, quarta-feira, 14 de julho de 2010

 

https://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz1407201007.htm

 

TENDÊNCIAS/DEBATES

 

Não as obriguem a sofrer

NILCÉA FREIRE

É uma violência obrigar uma mulher a manter por nove meses a gravidez de um feto que nascerá morto ou morrerá instantes depois do parto

 Sofrimento. Essa é a palavra que resume o sentimento de mulheres gestantes de fetos anencéfalos (com má-formação cerebral).

Além da dor imposta pelo diagnóstico, elas enfrentam uma verdadeira saga nos tribunais ao terem de negociar sua angústia com promotores e juízes em busca de conquistar o direito legal para interromper a gravidez. Infelizmente, no Brasil, a autorização para a antecipação de partos de fetos anencéfalos é feita caso a caso e envolve crenças e valores dos juízes.

No último dia 17, mais um tribunal autorizou a interrupção da gestação de um feto anencéfalo.

Apesar de negada em primeira instância, a decisão da 13ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais foi unânime. O relator, desembargador Alberto Henrique, enfatizou que a continuação da gravidez "tornou-se um sacrifício para a mãe".

Essa liminar funda-se em três preceitos básicos da Constituição Federal de 1988: o respeito à dignidade humana; o direito à liberdade e à autodeterminação; e o direito a uma vida saudável.

Estima-se que, no país, 2.000 mulheres grávidas de fetos anencéfalos já interromperam a gestação por meio de alvarás judiciais.

Na maioria, são mulheres pobres e usuárias dos serviços públicos de saúde, em que a exigência da autorização judicial é condição para o procedimento.

Dados da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia apontam que mais de 97% dessas mulheres estão expostas a riscos de saúde. É uma violência obrigar uma mulher a manter por nove meses a gravidez de um feto que nascerá morto ou morrerá instantes após o parto.

Também é desumano submetê-la a uma gestação de risco.

Nessa situação, é inegável a atitude autoritária do Estado, que força mulheres a se manterem grávidas contra sua vontade.

Portanto, é fundamental deixar claro que as mulheres não necessitam de tutela para tomar decisão; elas necessitam de informação e apoio para fazer suas escolhas.

Nesse processo, é importante que elas sejam vistas como sujeitos de direito e respeitadas como tal.

Diante desse contexto, urge que o Supremo Tribunal Federal coloque na pauta de seu pleno a questão. As quatro audiências públicas realizadas ao longo de 2009, que contaram com a participação de representantes governamentais, entidades da sociedade civil e especialistas da área forneceram elementos fundamentais à decisão dos ministros, incluindo toda sorte de contraditórios.

É preciso que haja uma decisão definitiva sobre o caso para que gestantes não sejam submetidas a uma verdadeira via-crúcis.

Estudos mostram que a maioria das mulheres grávidas de fetos anencéfalos prefere antecipar o parto. Pesquisa feita em 2008 pelo Ibope mostra que 72% das mulheres católicas entrevistadas são a favor de que grávidas de fetos anencéfalos tenham o direito de optar entre interromper a gestação ou mantê-la.

Uma alteração na legislação vigente não significará a obrigatoriedade da interrupção da gravidez de fetos anencéfalos, mas a facultará e reconhecerá que o direito à não violência é inalienável.

É fundamental, nesses casos, que as mulheres possam decidir se desejam ou não levar adiante a gestação, e o Estado deve garantir todos os recursos necessários para dar suporte às suas escolhas.

(NILCÉA FREIRE, 57, médica, é ministra da Secretaria de Políticas para as Mulheres.)

 

 Carta da Arquidiocese de São Paulo defende a vida do anencéfalo

SÃO PAULO, 16 Jul. 10 (ACI) .- Em resposta ao artigo da ministra da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, Nilcéa Freire no Jornal "A Folha de São Paulo" no último 14 de julho no qual a ministra não leva em conta que o feto anencéfalo também é um ser humano, o Vicariato Episcopal para a Pastoral da Comunicação da Arquidiocese de São Paulo lançou uma carta defendendo a vida também nos casos de anencefalia que leva por título: "Não as obriguem a matar", assinalando que o direito à vida do feto anencéfalo não pode ser negado. Abaixo publicamos na íntegra a carta enviada pelo Vicariato Episcopal para a Pastoral da Comunicação da Arquidiocese de São Paulo ao Jornal Folha de São Paulo.

Não as obriguem a matar
O direito à vida do feto anencéfalo, um ser humano, não pode ser negado
para que se garantam os direitos da mulher.

O artigo assinado por Nilcéa Freire, "Não as obriguem a sofrer", na página de Opinião da edição do Jornal Folha de S.Paulo de quarta-feira, 14 de julho, leva em consideração apenas o lado da mulher na questão da gestação de feto anencéfalo. Mas e o feto que, apesar da anencefalia, é um ser humano? Ou a ministra entende que crianças com má formação estejam, desde logo, excluídas dos direitos garantidos pela nossa Constituição?

Compreende-se perfeitamente o sofrimento da mulher em casos de gestação arriscada, e é preciso que essas mulheres sejam amparadas e amplamente acompanhadas por familiares, amigos e médicos. Porém, os direitos da mulher (à dignidade humana, à liberdade e autodeterminação e à vida saudável, só para lembrar os citados no artigo como fundamentos para uma liminar autorizando um aborto em Minas Gerais) não podem, absolutamente, ferir aquele que deve ser o primeiro direito de todo o ser humano. Ou seja, o direito à vida, garantido pela Constituição Federal.

Além disso, um aborto nunca é tranquilo e deixa marcas traumáticas nas mulheres. O que se tem observado é que, muitas vezes, o fato de a mulher dar à luz já é um conforto, mesmo ela sabendo das limitações que aquele filho vai ter. Não precisamos ir longe para comprovar esta constatação. No dia 1º de agosto de 2008, a menina anencéfala Marcela de Jesus Ferreira morreu um ano e oito meses após nascida. A mãe da menina, Cacilda Galante Ferreira, estava consciente de que havia dado o amor necessário à filha enquanto foi possível. "Estou tranquila, não triste, pois eu cuidei dela até quando Deus quis", comentou na época.

Não parece justificável, portanto, sob todos os pontos de vista, que se autorize a matar um ser humano para que se garantam direitos de outro ser humano. E preocupa saber que este sofisma tenha sido defendido por uma representante do Governo, pois sugere pressão aos poderes Legislativo e Judiciário.

O que é fundamental, sim, nos casos de gestação de fetos anencéfalos, é garantir que o primeiro de todos os direitos, e o mais primário de todos, portanto, que é o direito à vida, seja protegido, e não subordinado aos direitos da mãe. E é esta a preocupação da Igreja.

Carta da Arquidiocese de São Paulo defende a vida do anencéfalo

 

SÃO PAULO, 16 Jul. 10 (ACI) .- Em resposta ao artigo da ministra da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, Nilcéa Freire no Jornal "A Folha de São Paulo" no último 14 de julho no qual a ministra não leva em conta que o feto anencéfalo também é um ser humano, o Vicariato Episcopal para a Pastoral da Comunicação da Arquidiocese de São Paulo lançou uma carta defendendo a vida também nos casos de anencefalia que leva por título: "Não as obriguem a matar", assinalando que o direito à vida do feto anencéfalo não pode ser negado. Abaixo publicamos na íntegra a carta enviada pelo Vicariato Episcopal para a Pastoral da Comunicação da Arquidiocese de São Paulo ao Jornal Folha de São Paulo.

 

Não as obriguem a matar

O direito à vida do feto anencéfalo, um ser humano, não pode ser negado

para que se garantam os direitos da mulher.

 

O artigo assinado por Nilcéa Freire, "Não as obriguem a sofrer", na página de Opinião da edição do Jornal Folha de S.Paulo de quarta-feira, 14 de julho, leva em consideração apenas o lado da mulher na questão da gestação de feto anencéfalo. Mas e o feto que, apesar da anencefalia, é um ser humano? Ou a ministra entende que crianças com má formação estejam, desde logo, excluídas dos direitos garantidos pela nossa Constituição?

 

Compreende-se perfeitamente o sofrimento da mulher em casos de gestação arriscada, e é preciso que essas mulheres sejam amparadas e amplamente acompanhadas por familiares, amigos e médicos. Porém, os direitos da mulher (à dignidade humana, à liberdade e autodeterminação e à vida saudável, só para lembrar os citados no artigo como fundamentos para uma liminar autorizando um aborto em Minas Gerais) não podem, absolutamente, ferir aquele que deve ser o primeiro direito de todo o ser humano. Ou seja, o direito à vida, garantido pela Constituição Federal.

 

Além disso, um aborto nunca é tranquilo e deixa marcas traumáticas nas mulheres. O que se tem observado é que, muitas vezes, o fato de a mulher dar à luz já é um conforto, mesmo ela sabendo das limitações que aquele filho vai ter. Não precisamos ir longe para comprovar esta constatação. No dia 1º de agosto de 2008, a menina anencéfala Marcela de Jesus Ferreira morreu um ano e oito meses após nascida. A mãe da menina, Cacilda Galante Ferreira, estava consciente de que havia dado o amor necessário à filha enquanto foi possível. "Estou tranquila, não triste, pois eu cuidei dela até quando Deus quis", comentou na época.

 

Não parece justificável, portanto, sob todos os pontos de vista, que se autorize a matar um ser humano para que se garantam direitos de outro ser humano. E preocupa saber que este sofisma tenha sido defendido por uma representante do Governo, pois sugere pressão aos poderes Legislativo e Judiciário.

 

O que é fundamental, sim, nos casos de gestação de fetos anencéfalos, é garantir que o primeiro de todos os direitos, e o mais primário de todos, portanto, que é o direito à vida, seja protegido, e não subordinado aos direitos da mãe. E é esta a preocupação da Igreja.