O Menino que Contradiz o Mundo

30/12/2011 15:12

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            "Eis que Ele é destinado a ser ocasião de queda e de ressurgimento para muitos em Israel, e para ser sinal de contradição" (Lc 2,34).         

            Por que o menino Jesus nasceu pobre? Não poderia escolher um lugar melhor, nascer de uma princesa ou de uma imperatriz? Muitos se pudessem, com certeza escolheriam o melhor para si, e isso seria natural. É uma opção coerente com nossa natureza. Porém, desde o nascimento, Jesus é um sinal de contradição. "Ele humilha os poderosos e eleva os humildes", Ele é o herdeiro dos pobres e a figura perfeita deles é o Servo descrito por Isaías nos capítulos 52-53. O messianismo de Jesus é o do Servo. É assim que Deus se manifesta, é no rebaixamento que aparece a glória do Senhor. A simples face humana do Cristo é o reflexo verdadeiro de Deus.

            Maria não é mais do que uma humilde mulher da vila, a serva do Senhor, porém, a glória de Deus repousa sobre ela. O nascimento de Jesus se deu em condições difíceis, no entanto, os anjos do Senhor cantam a sua glória. São os pobres, representados pelos pastores, que possuem um olhar suficientemente puro para perceber nesse despojamento, a glória de seu Deus, eles são os primeiros a contemplar o Senhor.[2]          

            “Somente os pobres, os privilegiados, sabem o que Deus cogita pela salvação de seu povo. Somente os pobres, a exemplo dos pastores no nascimento de Jesus, compreenderão as manifestações de júbilo dos anjos. [...] A misericórdia de Deus é celebrada pelos pobres antes mesmo da proclamação da Palavra de Jesus que anunciará essa mesma Boa Nova. Os pobres já sabem, na pessoa do velho Simeão, que sua libertação não se cumprirá sem contradições”[3]

            Jesus se submete à paixão e à condição de humilhação não por necessidade ou por fraqueza, mas por opção: “Ninguém pode tirar-me a vida. Eu é quem a dou. Tal é a ordem que recebi de meu Pai" (Jo 10,18). Ele é livre perante a lei, a maior autoridade para o judeu da época. Para Jesus ela não pode ser a norma ùltima: "O sábado foi feito para o homem, e não o homem para o sábado" (Mc 2,27). A religião inverteu a ordem e se tornou escrava da lei. Jesus combate essa mentalidade e essa religião: "Quero a misericórdia e não o sacrifício" (Mt 12,7). "Quem dentre vós, se tiver uma só ovelha e ela cair numa cova em dia de sábado, não irá retirá-la?" (Mt 12,10) “Jesus não é escravo dos preconceitos sociais. Ataca frontalmente as normas de uma sociedade moralizante: os publicanos e prostitutas entrarão no Reino. Não receia contrariar a imagem popular do profeta asceta (Mt 11,16-19). Arrebata a mulher adúltera aos que a querem apedrejar em virtude da lei. [...] A liberdade de Jesus é uma das formas da manifestação de Deus”.[4]

            É com essa liberdade que Jesus viveu no mundo. Mundo que não representa um obstáculo para o encaminhamento em direção a Deus. “Em nenhum lugar o Cristo mostra que se aproxima de Deus, fugindo de seus semelhantes. Não é nem o sacerdote nem o levita o justificado, no caminho de Jerusalém a Jericó, mesmo que em sua viagem tenham louvado a Deus por meio de salmos. Não é aquele que coloca uma oferta sobre o altar que é justificado. É no cotidiano que se vive a relação com Deus. Jesus transforma o objetivo de toda existência. Vem para salvar o mundo e não para exterminá-lo. Jesus é profeta e livre para Deus, na existência cotidiana. [...] A criação é boa, e a alegria de viver não é uma injúria para Deus. [...],As parábolas de Jesus manifestam um gosto seguro, uma apreciação da natureza, da técnica do trabalho agrícola, das relações entre os homens, das expressões de amizade”.[5]

            Quem acolhe o menino Jesus neste natal é chamado ser junto com Ele um sinal de contradição no mundo.

Feliz Natal a todos!!!

Fagner, CSsR



[1] Este texto é baseado em ideais colhidas no livro: DUQUOC, Christian. Cristologia: ensaio dogmático. São Paulo: Loyola, v1: O homem Jesus.

[2] Cf. DUQUOC, Christian. Cristologia. v1.p. 35

[3] DUQUOC, Christian. Cristologia. v1.  p. 33

[4] DUQUOC, Christian. Cristologia .v1. p. 108

[5] DUQUOC, Christian. Cristologia. v1. p. 111-112