Fagner Dalbem: "Crise nas Instituições"

Fagner Dalbem: "Crise nas Instituições"

 

Segundo Castilho, vivemos hoje um tempo de mudança desconcertante. As duas grandes instituições transmissoras de crenças e valores: a religião e a família têm sido atacadas. Assusta-nos a decomposição da família. O sentido para vida não está mais nessas duas instituições, mas cada vez mais na relação pessoal:

 

“O que dá sentido à vida das pessoas não é a instituição a que cada qual está vinculada, mas as pessoas com as quais relaciona. Assim sendo, para buscar um sentido para a vida, o fator determinante é cada dia menos a relação institucional (religiosa, familiar...). E é cada dia mais a relação baseada na ‘comunicação emocional’, em que as recompensas derivadas dela são a base primordial para que tal comunicação se mantenha”[1]

 

            Esse tipo de relação é chamada de “relação pura”. Por isso o casamento está em crise. A moda agora é ter uma parceira ou um parceiro. O casamento é institucional e uma parceira ou parceiro são do âmbito da relação pessoal. O mesmo fenômeno acontece com a religião: Até agora a religião era vivida como pertença a uma instituição. Mas na atualidade as pessoas estão buscando viver suas crenças de forma “livre”, desligadas de qualquer forma de compromisso.[2]

            É natural nos colocarmos contra a tais mudanças, principalmente se fomos criados nesta “cultura institucional”. Nos faz sentir desamparados, pois estão tirando as “colunas” que sustentaram nossas vidas até hoje. Vê-las sendo substituídas por uma forma de organização, que a primeira vista parece inconsistente, é para nós muito estranho e difícil de assimilar.

            Castilho, portanto, desperta em nossa memória que Jesus também foi crítico a essas duas formas de instituições. Cristo teve muitos conflitos com dirigentes religiosos, foi levado à cruz justamente por criticar este sistema. Fez-se também muito crítico à instituição familiar, que era regida pelo sistema patriarcal. As instituições costumam basear suas relações no cumprimento de normas, e Jesus pregou justamente contra esse sistema de normas que sufocava o homem. Podemos dizer que ele pregou a relação pura, que exige mais clareza, sinceridade, doação, ternura.[3]

            Como cristãos seguimos os passos de Jesus. Não quer dizer que vamos nos colocar contra a Igreja ou contra a família, até porque Jesus não fez isso. Suas críticas eram contra o aprisionamento do ser humano, contra aquilo que nas instituições tirava a liberdade, reduzia a vida à prática de normas. Uma forma superficial e “mascarada” de relacionar-se com Deus e com os Irmãos. Os seres humanos mais representam do que se dão a conhecer. Não por malicia, mas porque não conhecem-se a si mesmos. É em Jesus Cristo que podemos conhecer algo sobre Deus e sobre nós. É em Cristo que o ethos humano encontra sua plenitude. Seu olhar rasga as máscaras. Ele vê a realidade mais amplamente, por isso seus planos para o Reino trazem consigo uma reviravolta que bate de frente com os projetos de grupos religiosos e políticos. Ele se distância dos projetos vigentes. É preciso então fazer uma triagem diante dos desafios na sociedade. Ao separar o joio do trigo precisamos ter como inspiração, o Evangelho.[4] E assim tentar perceber a “ótica” de Jesus, os motivos, e o verdadeiro alvo de suas críticas. É o que vamos tentar fazer agora:

            Jesus trouxe uma ética de mudança, principalmente no modo de agir daqueles que pretendem segui-lo. Essas mudanças tinham em vista a felicidade de todos. As pessoas achavam seu ensinamento diferente, pois ele dizia o que precisavam ouvir. E dizia de forma livre e criativa, o que levava as pessoas a sentirem a autoridade de Jesus, pois não somente repetia normas. Além disso, não ensinava impondo e submetendo (com potestade), mas persuadindo, usando argumentos que convenciam (com autoridade).[5]

            O modo de agir pelo Reino é viver o modo de amar de Jesus, é assim que o Reino acontece. Esse amor é gratuito e incondicional. O amor divino libera o homem das amarras do pecado para que ele possa amar. É um amor que se destina aos diminuídos em sua dignidade. “Nesse sentido, os pobres são os protagonistas do Reino porque são privilegiados pelo amor de Deus.”[6] Vimos que mesmo o Reino sendo um dom, não significa que não precisamos lutar por ele. É um Reino que deve ser acolhido construtivamente, temos que agir (Lc 6,37-38;Mt5,22;Lc19,12-27;Mt25,1-13.31-46;18,23-25). O Reino é o horizonte de compreensão da ética de Jesus.[7]

            Jesus não veio trazer novas normas, mas um novo jeito, uma capacitação das potencialidades do agir humano. O Reino é o princípio estruturador, é o centro da moral de Jesus. Os destinatários do Reino são os pobres, eles são o centro de sua atuação. (Lc 4,18-19). O Reino de Deus se realiza nas bem-aventuranças, portanto, aquele que assume a proposta do Reino deve ter como preferência do seu amor os pobres, famintos e aflitos. A ética de Jesus é a justiça do Reino, que não é instaurada com braveza e violência, mas pela humildade de coração.[8]

            A instituição deve ser criticada naquilo que ela se opõe ao Reino de Jesus, naquilo que ela se opõe na justiça do Reino. Por isso é lícito fazer críticas. Assim como a de Jesus, nossa ética deve ser crítica a certas estruturas que aprisionam. Mas é preciso ter cuidado com o trigo na hora de arrancar o joio. Além disso, não basta criticar, é necessário construir, oferecer algo que substitua o que está sendo criticado. Jesus, por exemplo, ofereceu-nos o evangelho. As críticas são necessárias, a crise que vivemos também o é. Ela nos sacode,nos desperta e nos ajuda a abandonar nossas mascaras.[9]

 

 

                                                                       Fagner Dalbem Mapa, CSsR



[1] CASTILHO, José Maria. A ética de Cristo. São Paulo: Loyola, 2010. p. 21

[2] cf. CASTILHO, A ética de Cristo, p. 21-22

[3] cf. CASTILHO, A ética de Cristo, p. 22-23

[4] cf. CNBB. A teologia moral em meio a evoluções históricas. (subsídios doutrinais) p.16-21

[5] cf. CASTILHO, A ética de Cristo, p. 17-18

[6] JUNGES, José Roque. Evento Cristo e Ação humana. São Leopoldo – Rs: Unisinos, 2001. p.97

[7] cf. JUNGES, Evento Cristo e Ação Humana, p. 96-99

[8] cf. JUNGES, Evento Cristo e Ação Humana, p. 100-104

[9] cf. CASTILHO, A ética de Cristo, p. 23-24